Hoje resolvi conversar com vocês leitores sobre um tema diferente do que temos trazido aqui semanalmente. Hoje quero conversar sobre a linguagem, mas não na infância, e sim em outra fase da vida: a velhice.

Quando se estuda a linguagem dos idosos, deve-se ter em mente várias perspectivas:

  1. perspectiva cultural: os idosos devem ter um papel específico na sociedade em que vivem de acordo com a tradição cultural a que pertencem.
  2. perspectiva social: a sociedade possui uma postura em relação aos idoso, e de acordo com ela processam-se as relações sociais entre os velhos e os demais grupos etários;
  3. perspectiva de caráter psicológico individual: uma pessoa é tão velha quanto imagina ser.

A velhice nunca é um fato total, ninguém se sente velho em todas as situações ou se define como tal em todos os contextos. Não é raro pessoas consideradas velhas decidirem se casar e constituir uma nova unidade familiar, projetarem uma longa viagem ou abrirem um negócio.
A partir dos 80 anos é mais frequente a consciência da velhice, por isso em torno dessa idade, a pessoa começa a aceitar sua posição na sociedade como tal, visto que fatores de ordem fisiopatológica o levam forçosamente a conscientizar-se do envelhecimento.
Dessa forma costuma-se aceitar como ponto de partida para o estudo do comportamento dos idosos a conhecida divisão entre “idoso jovens” (entre 60 e 80 anos) e “idosos velhos” (com mais de 80 anos).
Dentre as perdas que acontecem durante o processo de envelhecimento algumas influenciam diretamente o processo de comunicação. É necessário reconhecer que as maiores transformações nas habilidades de comunicação ocorrem nos “idosos velhos”, porque o processo de envelhecimento adiantado prejudica com maior intensidade a “audição” e memória.

É sobre essas perdas que convido você leitor a pensar:

  1. PERDA AUDITIVA: mais séria do que a real perda da acuidade auditiva para sons puros, é a perda da audição para conversas, particularmente quando o sinal da fala é degradado ou está em competição com outros sons. Essa condição de escuta prejudicada acaba por afetar o relacionamento social pela linguagem, ou seja, o idoso aos poucos deixa de participar de rodas de conversas primeiro com familiares e posteriormente com os amigos. Seu poder de reflexão e análise atinge consideravelmente a capacidade comunicativa e receptiva. Há necessidade de se pensar no uso de aparelhos auditivos para recolocação deste idoso no meio social.
  2. PERDA FÍSICA: a natural lentidão das reações dos idosos impede o processamento, recepção e compreensão das informações, numa velocidade considerada compatível com os padrões conversacionais dos mais jovens. Em idades mais avançadas as pausas tendem a aumentar, enquanto o tempo de articulação tende a decrescer, o que indica que “na velhice não só os aspectos motores, mas também os cognitivos do comportamento falado tornam-se enfraquecidos.”(Helfrich, 1979)
    Essas deficiências resultam na inaptidão de organizar o discurso com a continuidade desejada, seja em função da busca aflitiva de fatos que não afloram à memória, seja por uma natural desorganização no arranjo dos tópicos e subtópicos que se sobrepõem com facilidade, lembrando, em certos casos, desarranjos da linguagem infantil.
    Na linguagem do idoso revela-se a importância da categoria TEMPO e a presença constante do passado, como um ponto de referência para o discurso que, ainda quando centrado em temas do presente, se articula com base em duas realidades: ontem e hoje.
    Dependendo de como se encontra a inserção desse idoso no social ele pode passar de mutismo habitual a uma situação de grande loquacidade, quando tem oportunidade de se fazer ouvir com atenção pelos seus interlocutores. Porém nessa situação esse idoso pode se mostrar inseguro, pois não confiam mais no que estão dizendo por não terem convicção de que seu discurso será interessante.
    A fluência no discurso já não é mais a mesma. Há presença de rupturas, descontinuidade do tema, ocorrência de frases interrompidas, hesitações e truncamentos de vocábulos e muitas pausas. Esse processo de pausas pode levar a quebra do discurso ocasionando uma dificuldade de retomada da informação justamente pelos lapsos de memória presentes nessa fase.
  3. PERDA DA MEMÓRIA: uns dos problemas mais importantes para a perda do ritmo normal na fala dos idosos são os lapsos de memória. Sabemos, no entanto que quando se trata de acontecimentos ocorridos há mais tempo, a rememoração se torna mais fácil do que a “memória recente”. Não é raro ocorrer em conversação com outros falantes mais jovens, um constante processo de explicação. Os idosos tem sempre a tendência a se tornarem “contadores de histórias”. Há um destino educativo no seu papel social auxiliado peço acúmulo de experiências ao longo da vida. 

Finalmente temos que estar atentos para o fato de que os idosos demonstram dentro das suas condições, uma resistência a situações em que vivem na comunidade, procurando nos atos conversacionais mecanismos discursivos que lhes permitam manter a interação verbal com outros falantes, preservando sua imagem social, já tão desgastada pelo processo natural do envelhecimento. Portanto, há momentos que um processo de estimulação cognitivo faz-se necessário para que os mesmos possam manter-se ativos socialmente. Um idoso participativo, sentindo-se de fato funcional dentro de seu ciclo social certamente terá melhores condições de saúde física e emocional.

O segredo do saber envelhecer é conservar a auto-estima, continuando a ser interessante para si próprio e para os outros e, como vimos, dentro desse processo a comunicação tem um papel muito importante.

Até a próxima.

Fabiane Klann Baptistoti Sá – Fonoaudióloga clínica e Mestre em Linguística

 

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