Existem diferentes grupos de crianças que apresentam dificuldades na emissão dos sons da fala tais como: crianças com deficiência intelectual, com deficiência auditiva, com lesões focais no cérebro, com autismo, lesões orgânicas nos órgãos fonoarticulatórios.
Porém há um grupo específico de crianças que não se enquadra em nenhuma das condições descritas acima. São crianças consideradas “normais” em testes de inteligência, sem anomalias ou quaisquer alterações orgânicas, mas que apresentam dificuldades na emissão dos sons da fala. É sobre essas crianças que vou conversar com vocês nesse post.
Antes de chegar às alterações na fala, convido você a pensar sobre a aquisição fonológica, ou seja, a aquisição dos sons que compõem nossa fala, os fonemas. A aquisição do sistema fonológico ocorre gradativamente até por volta dos sete anos de idade aproximadamente. Porém a maior fase de aquisição acontece entre um ano e seis meses e cinco anos de idade. Dos quatro aos sete anos todo o sistema fonológico se estabiliza e aproxima-se do padrão adulto.
Os processos fonológicos mais comumente encontrados na fala das crianças nas seguintes faixas etária são:
1- Redução de encontro consonantal – redução de um encontro consonantal dentro da mesma sílaba (4 anos – 5 anos)
Ex: bruxa – [buša] flor – [foR]
2- Apagamento de sílaba átona – apagamento de uma sílaba não-acentuada (pré ou postônica) em palavras multissilábicas (2,6 meses – 3,6 meses)
Ex: edifício – [efisiu] públicas – [pukas]
3- Apagamento de fricativa final – apagamento do /s/ na posição FSDP e FSFP (2,6 meses – 3,0 anos).
Ex: espada – [epada] lápis – [lapi]
4- Apagamento de líquida final – apagamento de uma líquida /R/ em posição FSDP e FSFP (3 anos – 4 anos)
Ex: barco – [bako] mar – [ma]
5 – Apagamento de líquida /l/, /λ/-(lh), /r/, /R/ intervocálica – apagamento de uma líquida em posição intervocálica (2,6 meses – 3 anos)
Ex: tirou – [tiow] bala – [baa]
6- Apagamento de líquida inicial de palavra – apagamento de uma líquida em posição inicial de palavra (2 anos – 2,6 meses)
Ex: roupa – [owpa] lobo – [obo]
7- Posteriorização de plosiva ou de fricativa – substituição de uma plosiva ou de uma fricativa por outra de posição mais medial ou posterior (3 anos – 4 anos)
Ex: batom – [katom] figo – [sigu]
8- Dessonorização de obstruinte – plosivas ou fricativas sonoras sendo substituídas por plosivas ou fricativas surdas (2,6 meses – 5 anos)
Ex: bico – [piko] ovo – [ofu]
9- Anteriorização de palatal ou de velar – substituição de uma palatal ou de uma velar por outra de posição mais anterior (3 anos – 4 anos)
Ex: chuva – [suva] casa – [taza]
10 – Substituição de líquidas – substituição de uma líquida por outra (2,6 meses – 3,6 meses)
Ex: morreu – [molew] ilha – [ila]
11 – Semivocalização de líquidas – substituição de uma líquida por uma glide (2,6 meses – 3,6 meses)
Ex: bolacha – [boyacha] corneta – [kowneta]
12 – Nasalização de líquidas – substituição de uma líquida por uma nasal (2,6 meses – 3,6 meses)
Ex: eles – [emis] cadeira – [kadena]
13 – Plosivização– substituição de uma fricativa por uma plosiva (2 anos – 2,6 meses)
Ex: fantasma – [pantasma] uva – [uda]
Quando esses processos continuam a acontecer para além da faixa etária estabelecida acima dizemos que a criança está apresentando um Desvio Fonológico: desordem linguística que se manifesta pelo uso de padrões anormais no meio falado sem qualquer fator etiológico conhecido e detectável.
Essas crianças apresentam como características:
– fala espontânea quase ininteligível, resultante de desvios consonantais;
– idade acima de 4 anos;
– audição normal;
– nenhuma anormalidade anatômica ou fisiológica do mecanismo de produção da fala;
– nenhuma alteração neurológica detectável relevante para a produção da fala;
– capacidades intelectuais adequadas para o desenvolvimento e compreensão da fala;
– linguagem expressiva adequada no que diz respeito a vocabulário, morfologia e sintaxe.
Muitos pais questionam sobre as causas dessa dificuldade, e mesmo não se falando em causas orgânicas os estudos vêm mostrando que em muitos casos há história de problemas auditivos de natureza leve, como os casos de otite média na pequena infância.
Precisamos ficar atentos aos casos em que tais dificuldades seguem para além dos sete anos, sob pena da criança começar a apresentar algumas dificuldades relacionadas ao processo de socialização (por não ser entendida por seus pares comunicativos) e problemas no processo de alfabetização, já que existe uma relação intrínseca entre os sons da fala (fonemas) e sua representação gráfica (grafema).
Na dúvida os pais devem procurar um fonoaudiólogo para realizar avaliação fonológica e receber as devidas orientações.
Fique atento ao desenvolvimento fonológico de sua criança!
Fabiane Klann Baptistoti Sá – Fonoaudióloga clínica e Mestre em Linguística