Durante minha trajetória profissional nesses longos 22 dois anos sempre achei que quando estava diante de meninas com diagnóstico de autismo elas me pareciam diferentes. Esse fato eu já comentara inúmeras vezes com colegas de trabalho e nos cursos que ministro: prestar atenção nas meninas na condição de autismo!
Na minha opinião, essas diferenças estavam tanto na parte de desenvolvimento da linguagem, como na questão comportamental. As meninas com as quais tive contato pareceram desenvolver a comunicação de forma diferente, apresentaram maior inflexibilidade de pensamento (mesmo não falando elas demoraram mais a adaptar-se a novas situações) e apresentaram menos estereotipias, tanto manuais como verbais.
Alguns estudos vêm me mostrando que esse pensamento de fato não é um equívoco ou impressão e que podemos ainda estar deixando de diagnosticar meninas, por procurar por características comuns a meninos em meninas.
Pesquisadores holandeses analisaram 2.275 meninas com o transtorno e cientistas do King’s College de Londres em seus estudos reavaliaram 15 mil pacientes diagnosticadas e constataram que somente os casos mais severos é que estão sendo realmente colocados dentro do TEA. Ainda revelaram que os casos mais leves ou não estão sendo diagnosticados ou estão sendo colocados em outras patologias tais como: TOC – Transtorno obsessivo Compulsivo; ou TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Eles atribuem a esse “engano” a forma de avaliação baseando-se essencialmente no comportamento masculino principalmente quando se trata de comportamentos sociais.
Em consultório lembrando-me das meninas das quais acompanhei terapeuticamente, recordo que além das características que já mencionadas no início deste post, apresentavam maior reciprocidade de olhar, eram mais sociáveis, ou seja, buscavam mais o outro para si e tinham uma capacidade de imitação maior do que os meninos.
No livro Autism Spectrum Disorder and Girls escrito a partir de pesquisas realizadas pelo Middletown Center, encabeçadas pelos doutores Jacqui Ashton Smith e Judith Gould, mostram que há sinais de alerta específicos para meninas ou jovens mulheres tais como:
– imaturidade social;
– contato visual diferente;
– pobreza na letra e pobre motricidade ampla;
– diferença na intensidade da preservação de interesses;
– provocação de pares;
– notas baixas;
– desorganizadas;
– vistas como “estranhas” pelos professores;
– passividade ou falta de interesse pelas atividades escolares;
– pouca empatia;
– questionamentos repetitivos.
Os mesmos autores assinalam que as meninas são realmente mais sociais e apresentam possibilidades de imitação retardada, ou seja, fazer a ação em momento posterior ao momento que observaram, pela capacidade maior de prestar atenção aos seus pares.Por conseguirem envolverem-se em brincadeiras imaginativas com outras meninas, elas acabam camuflando outras características da condição de autismo.
Culturalmente estamos tão habituados a olhar de modo mais atento para meninos, que comportamentos como dificuldades alimentares, ansiedade, desorganização, comportamentos rígidos e repetitivos (mostrados no estudo), observados nas escolas ou pelos pais e referidos aos médicos estão sendo vistos como outros transtornos, encobertos pela sociabilidade e comunicação diferenciada, vistas nos meninos.
Estudos também realizados por Francesca Happé, e Kate Tchanturia do departamento de Neurociência Cognitiva do Kings College, chamam a atenção para esse fato, ressaltando até mesmo casos de anorexia na vida adulta em meninas.
O intuito de trazer aqui essa informação é de que possamos de fato rever o olhar para com as meninas que recebemos em consultório ou convivemos, para que seja garantido também a elas o diagnóstico e intervenção precoces, com tratamento de qualidade e eficiência.
Fabiane Klann Baptistoti Sá – Fonoaudióloga clínica e Mestre em Linguística