Autismo é uma alteração do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e o comportamento. É um diagnóstico complexo e muitas vezes cercado de mitos e desinformação. Neste post, vamos explorar alguns mitos sobre pessoas autistas e entender porque eles aparecem.
Pessoas autistas são incapazes de sentir empatia
Esse mito surge de comportamentos comumente presentes em pessoas autistas como mudar de tópico em uma conversa inesperadamente, não demonstrar variação na postura comunicativa e expressão facial coerente com a situação vivenciada, apresentar baixa iniciativa para iniciar uma interação, recusar ou se esquivar de toque físico, entre outros. Mas estes comportamentos são consequência de dificuldades físicas, cognitivas e biológicas, tais como alterações na integração dos sentidos (de integração sensorial), dificuldade de atenção, prejuízo no desenvolvimento de habilidades sociais e falha na coerência central, por exemplo. Esta última, se refere a uma dificuldade no processamento da informação e na integração de estímulos, fazendo com que a pessoa autista possa apresentar um processamento mais lento, fragmentado e concentrado em detalhes, ao invés de analisar o todo.
Pessoas autistas não querem fazer amigos
Como já mencionado, pessoas autistas tendem a apresentar baixa iniciativa para começar interações sociais. Além disso, conforme a pessoa autista cresce, normalmente ela vai tomando consciência de suas dificuldades e há uma propensão ao isolamento. Um dos principais motivos pelo qual isso ocorre é que a comunicação é totalmente dinâmica e imprevisível, e exige dos falantes e ouvintes grande esforço para compreender, relacionar, construir enunciados, realizar inferências e elaborar análises durante todo o discurso. Pessoas autistas frequentemente possuem dificuldades nessas habilidades, o que torna a interação ainda mais complexa e difícil. Mas não é real que pessoas autistas não tenham sentimentos frente aos outros e que não desejam construir relacionamentos, sejam eles de amizade ou amorosos.
Pessoas autistas nunca se tornam independentes
O nível de independência de qualquer indivíduo depende de sua capacidade de executar atividades de vida diária, cognição, etc, bem como dos estímulos que são realizados desde os primeiros dias de vida para tal. Com pessoas autistas não é diferente. Limitações podem ocorrer por questões de ordem cognitiva, sensorial e comportamental, e esses fatores é que irão determinar o nível de funcionalidade do indivíduo. Muitos autistas adultos conseguem ter uma vida independente, com pouca ou nenhuma supervisão. Quanto mais precoce e mais intensa forem as intervenções baseadas em evidência, maior é a probabilidade de independência e bom funcionamento da pessoa autista.
Pessoas têm autismo causadas por vacina
O mito de que a vacina causa autismo surgiu em 1998, quando o médico e pesquisador Andrew Jeremy Wakefield publicou um artigo na conceituada revista The Lancet que abordava uma suposta correlação entre a vacina tríplice viral, o surgimento de inflamação intestinal e a presença de sintomas comportamentais. O estudo tinha como amostra um público muito reduzido, apenas 12 crianças, e a teoria apresentada era a de que crianças vacinadas com a tríplice viral as crianças começavam a apresentar sintomas gastrointestinais graves, estas por sua vez levavam a inflamações cerebrais e por fim às inflamações cerebrais levavam ao desenvolvimento do autismo. O estudo apresentava diversas limitações e o próprio autor reconheceu pouco tempo depois que a análise de correlação foi incipiente e precipitada. Na época também foram divulgadas informações sobre conflito de interesse entre os autores e o mercado farmacêutico. Toda essa história foi tão impactante na sociedade que muitos países chegaram a retirar a vacina tríplice viral na época de seu calendário de vacinação. E desde então, apesar de toda a comprovação científica contrária, as taxas de vacinação infantil caíram no mundo todo.
Pessoas autistas vivem no seu próprio mundo
Este é um mito relacionado às diferenças de funcionamento comportamental e cognitivo que uma pessoa autista pode apresentar quando comparada com uma pessoa neurotípica. Já falamos anteriormente aqui que pessoas autistas podem apresentar dificuldade em habilidades, que impactam diretamente na interação com outras pessoas. Mas pessoas autistas também podem apresentar comportamentos repetitivos e estereotipados, como pular, balançar o corpo, girar o corpo em torno de si mesmo, balançar as mãos (flapping), movimentos oculares periféricos, entre outros. As estereotipias, a baixa iniciativa para começar uma conversa, a presença de interesses específicos e a pobre expressão facial são alguns dos comportamentos que quando integrados nos passam a sensação de que pessoas autistas não têm interesse “no nosso mundo”.
Pessoas autistas não possuem senso de humor
Além da dificuldade na habilidade cognitiva de coerência central, pessoas autistas podem apresentar alterações de linguagem e alterações cognitivas fundamentais para compreensão do humor. Piadas e trocadilhos são repletos de informações implícitas, inferenciais e associações que podem ser complexas para indivíduos com o transtorno. Por esse motivo, há uma tendência de pessoas autistas apresentarem comportamentos mais literais ou “ao pé da letra”. Esta habilidade pode e deve ser trabalhada desde a primeira infância para minimizar impactos na vida adulta, uma vez que as sutilezas da linguagem oral e corporal fazem parte da comunicação e interferem na capacidade de interpretação e interação.
Apesar de ser um tema cada vez mais abordado em diversas esferas, o Transtorno do Espectro do Autismo ainda é repleto de mitos, que além de passarem uma visão errada sobre os autistas, dificultam a disseminação de informações verdadeiras e o diagnóstico precoce.
Por isso temos o cuidado de conscientizar todas as pessoas envolvidas na intervenção de nossos pacientes, não só os pais da criança, mas também parentes próximos e professores. Garantindo o maior compartilhamento de conhecimento possível para o melhor desenvolvimento das crianças por nós atendidas.