“- Mas mãe, posso continuar sendo autista, né? Eu adoro ser autista!”

O livro escrito por Anita Brito, mãe do menino Nicolas, descreve como a família percorreu o longo caminho entre as desconfianças sobre o desenvolvimento atípico de Nicolas e o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, que aconteceu aos 5 anos de idade.

Anita utiliza um trocadilho no próprio título, que apesar de em um primeiro momento remeter o leitor a uma ideia de cura da condição, na verdade é uma afirmação crítica a tantos profissionais e pessoas próximas que não davam crédito a ela, que como mãe, tinha certeza de que sim, Nicolas ERA autista.

A importância de um olhar atento

No início a desconfiança era apenas da mãe, que por ser professora e ter criado seus irmãos, observava que Nicolas era diferente das crianças da sua idade. Ele não fazia muito contato visual com as pessoas, não interagia muito com as pessoas, principalmente com estranhos e sua linguagem não era desenvolvida como as crianças da sua idade. No livro, a mãe conta que as manifestações comportamentais se tornaram ainda mais intensas após Nicolas ter tido uma doença autoimune que destrói as plaquetas, um quadro de púrpura.

Anita menciona diversos momentos em que ela pensou ter “perdido” o filho para sempre, mas que em nenhum momento deixou de acreditar que seria possível “resgatá-lo” do comportamento em que se encontrava muitas vezes apático, deitado no chão, com olhar distante.

A força de uma mãe

A história de vida da própria Anita é contada em flashes. Ao longo do livro é possível emocionar-se diversas vezes. Nascida em uma família com muitas dificuldades financeiras e muitos irmãos, Anita precisou lutar por si mesma e enfrentar o mundo muito mais cedo do que imaginava. Muito do que aconteceu na sua trajetória ela coloca como responsável pela força de vontade em buscar ajuda para o desenvolvimento de Nicolas.

Anita descreve no livro, as dezenas de passagens por diversos profissionais que diziam que os pais estavam procurando alterações onde não existiam, enfatizando que Nicolas era uma criança linda e saudável. Somente aos 5 anos de idade a família recebeu o diagnóstico de profissionais que mencionaram que Nicolas jamais conseguiria desenvolver a fala ou frequentar uma escola regular.

Quando a busca tem fim

Aquele diagnóstico veio com uma mescla de tristeza profunda e alívio por enfim descobrir o caminho que precisava seguir para ajudar Nicolas. Finalmente ela sabia o que seu filho tinha e diante disso poderia procurar maneiras cada vez melhores de ajudá-lo a se desenvolver.

Desde o início da vida de Nicolas a decisão familiar foi de buscar compreender os comportamentos que ele apresentava e tratando-o com muito amor, os pais tentavam apresentar o mundo a ele da melhor forma possível e tinham certeza de sua compreensão.

Dentro de suas condições financeiras e de mobilidade, a família oportunizou as terapias convencionais, como a Fonoaudiologia e Psicologia, com a clareza de que nada se modificaria com ações isoladas ou imediatas. Além disso, a família sempre apostou na necessidade de interação com outras crianças no ensino regular e lutou por uma inclusão efetiva.

Os pais não se opõem a outras formas de tratamento, mas nunca quiseram tentar nenhum tipo de intervenção que colocasse a vida de Nicolas em risco ou que pudessem afetar outras áreas de sua vida. Mas acima de tudo, Anita relata que Nicolas foi criado de forma a compreender que, apesar de possuir suas preferências e imaginações, precisava se conectar com o mundo externo e sobreviver nele.

Nicolas é um caso de sucesso terapêutico, uma vez que conquistou sua autonomia e funcionalidade social, apesar dos comportamentos ainda existentes de inflexibilidade e apego à rotina, por exemplo. Hoje ele tem 20 anos de idade, é fotógrafo profissional, escritor e percorre o Brasil (e até exterior) junto a seus pais palestrando sobre sua história.

Meu filho ERA autista

A história da família possui uma discussão atual e bastante enriquecedora. Termos como “cura” ou “sair do espectro” são bastante discutidos entre os profissionais que atuam com indivíduos autistas. Do ponto de vista terapêutico não existe cura para o Autismo. Existem sim muitas crianças que, após intervenção precoce adequada, conseguem equiparar o seu desenvolvimento em muitas áreas com o desenvolvimento típico e, assim como Nicolas, atingem sua autonomia.

Vale mencionar ainda que diversas são as propostas de intervenção com as quais nos deparamos diariamente para o tratamento ou “cura” do Autismo. No entanto, somente as terapias convencionais baseadas na análise do comportamento são as que possuem ampla comprovação científica.

O livro possui uma linguagem simples e dinâmica, sendo interessante para pais, professores e profissionais ligados ao tema. É uma leitura que certamente fará pais experimentarem momentos de reflexão e empatia, traduzidos de forma perspicaz e divertida em palavras por Anita. Ao mesmo tempo, a crítica aos profissionais de sua trajetória, faz com que o livro seja enriquecedor para esse público, com a possibilidade de exercitar a escuta à queixas dos familiares e de praticar um atendimento mais humano e responsável.

Tatiane Moraes Garcez

Fonoaudióloga Clínica

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