Sempre que decido assistir um filme ou série relacionada com o autismo me pego apreensiva, pensando se no final das contas será um material rico e aconselhável para qualquer familiar ou se será do tipo de material em que vamos precisar tecer comentários sobre a utopia representada. Com humor na medida, Atypical é uma série norte-americana que conta a história de um garoto de 18 anos autista de forma leve e clara.
Motivos para assistir
Na série o autismo é trabalhado de forma sutil. Inicialmente não há um anúncio da condição, mas aos poucos os telespectadores conseguem compreender que Sam apresenta características diferentes, como apego à rotina e objetos, dificuldades em iniciar interações com pessoas de sua idade, uma espécie de “super-sinceridade” e fixação por temas específicos.
Outro excelente motivo para indicar a série é que diferentes papéis são representados com propriedade. Afinal, não se pode ignorar que para além ou por conta do próprio diagnóstico podem existir situações como: 1) os pais não conversarem sobre, 2) divergirem sobre o que fazer e como ajudar, 3) irmãos neurotípicos por vezes negligenciados sem que a família perceba, etc.
Lidando com o primeiro amor
Na primeira temporada, estreada em 2017, o foco principal da trama é o desejo de Sam de ter um relacionamento, uma namorada. Nessa busca, a psicóloga de Sam trabalha habilidades socioemocionais importantes e as sutilezas que um relacionamento exige. Sam é instigado a observar seus sentimentos e registrá-los. Ele possui uma compreensão literal do que ouve e não compreende porque os adultos mentem tanto. Em muitos momentos, sua “super sinceridade” ofende as pessoas e ele não entende o que fez que as magoou. Ao longo do processo de descoberta dos seus sentimentos, Sam acredita estar apaixonado por sua terapeuta e, sua mãe Elsa, ao ver os momentos de decepção e tristeza que enfrenta decide que ele precisa mudar de terapeuta.
A paixão de Sam é o universo congelante dos pinguins e esse conhecimento específico acaba se tornando um aliado interessante na compreensão dos relacionamentos humanos, através das comparações que realiza.
Nos esclarecimentos sobre o comportamento humano, possuem papel importante o amigo Zahid e sua irmã, Casey. Zahid trabalha com Sam em uma loja de produtos eletrônicos e é um rapaz bastante descolado, que não mede as palavras com Sam. Isso em muitas vezes é mostrado como relevante, uma vez que Sam quer sempre entender o que Zahid diz e acha que o amigo é inteligente e só lhe ensina coisas boas.
A irmã Casey, por sua vez, é a oposição necessária no ambiente familiar, para que Sam aprenda a lidar com as frustrações e com percepções diferentes das suas. Sam confia muito na irmã e é ela quem o ajuda em suas crises. Também ganha espaço na trama o sentimento de responsabilidade exacerbado que a irmã possui por Sam e o quanto isso “pesa” em sua vida.
Representatividade do contexto familiar
O drama vivenciado pela mãe, Elsa, é um relato comum das mães de crianças autistas. Muitas apresentam altíssima cobrança sobre o que são e o que querem e sentem-se divididas por renunciarem à própria vida e carreira em prol do desenvolvimento dos filhos. Conforme Sam vai ganhando independência e autoconfiança Elsa vê aos poucos seu mundo desmoronar. Uma rotina sólida onde todo o lar dependia dela e da sua consistência não se faz mais necessário, e é neste momento que Elsa repensa sobre o seu caminho, abrindo as portas para lugares escondidos da sua imaginação e emoção ferida.
No início da história o pai, Doug, apresenta uma conduta de pânico e rejeição com o diagnóstico, sendo mais próximo da filha, Casey. As dificuldades no casamento e o crescimento de Sam, no entanto, fazem com que o pai deseje conhecer melhor seu filho e queira estar com ele de forma mais assertiva.
Por que recomendamos
Sim, é claro, nem todos os autistas possuem as mesmas características de Sam. Mas guardadas as especificidades do (bom) nível de funcionamento do autista protagonista, Atypical passa uma mensagem positiva e sutil sobre o que é o autismo.
Por esse motivo a série pode ser uma boa ferramenta para “quebrar” a percepção desatualizada que muitas pessoas ainda possuem sobre o que é de fato o autismo.
Quem nunca escutou frases como “nossa, mas não parece!” ou “olhando nem dá pra dizer!”? É, não dá mesmo. E nem é preciso.
Sempre que me deparo com essas frases tento levar quem está me ouvindo a refletir sobre o fato de que o autismo não ter uma “cara” não anula as necessidades específicas de cada autista. Assim como o fato de no diagnóstico ser classificado como “leve” não quer dizer que tudo o que o autista e seus familiares passam seja “leve”.
Para os profissionais a série deixa a importante mensagem de respeitar os limites e encorajar o que há de melhor em cada um. Afinal, apoiar um ambiente saudável e tranquilo para o paciente/aluno autista também faz parte do nosso papel.
Boas risadas estão garantidas!