Quantos dias você consegue ficar sem celular? Quanto tempo você vai deixar de economizar tendo que resolver uma série de coisas sem ele? Como acalmar seus filhos quando eles ficarem agitados em casa? Como disputar o interesse de um adolescente com as redes sociais?
O smartphone se tornou uma ferramenta multifuncional quase que indispensável na vida da maioria das pessoas que vivem em contexto urbano, tendo aumentado seu tempo de uso significativamente no período de pandemia, principalmente entre as crianças e adolescentes. O ano de 2020 colocou em xeque o os limites traçados pelo “tempo de tela ideal”: tempo ocioso dos filhos em casa com poucas possibilidades de lazer, falta da escola e a atenção dos pais dividida entre o home office, tarefas domésticas e cuidados com filhos, fez com que esses dispositivos fossem a alternativa imediata mais eficaz de entretenimento.
Quais impactos causados no desenvolvimento pelo uso excessivo dos smartphones?
A utilização das mídias eletrônicas (televisão, computadores e celulares) tem sido alvo de pesquisa na área do desenvolvimento a cerca de 20 anos, ou seja, um tema que chama atenção de clínicos e pesquisadores desde o início de uma nova geração. O surgimento da internet associado à recente evolução e popularização dos smartphones promoveu maior acesso a conhecimento, rompeu barreiras de tempo e espaço na comunicação humana e certamente contribuiu para mudanças positivas em nossa sociedade. Entretanto, toda moeda tem dois lados, e alguns impactos gerados pelo uso em excesso e falta de controle desses recursos, devem ser tratados com cautela, especialmente entre crianças e jovens.
Muitos pais se enganam ao achar que a exposição prolongada a programas ou jogos infantis educativos desde cedo, favorecem o desenvolvimento cognitivo. Entretanto, esta é uma ideia equivocada, pois principalmente na primeira infância (entre 0 a 6 anos) a criança não tem alguns processos suficientemente bem desenvolvidos para compreender o conteúdo mostrado, além disso, não há troca nem mediação, ficando ela apenas com uma postura passiva de receptora de conteúdo.
Esta relação é bem evidente na aquisição da fala de crianças pequenas. Quanto maior o nível de interação entre as crianças e seus cuidadores, mais vocabulário ela desenvolve. Crianças que tendem a passar boa parte de seu dia em frente as telas, como substitutas da interação com seus familiares, podem apresentar atrasos na fala pela falta de estímulo suficiente.
Outro ponto importante é a modificação no funcionamento da atenção. A quantidade de estímulos imediatos derivados da estimulação contínua pelas mídias sociais, impede que nossa mente pense de maneira profunda e criativa, visto que as informações ultrapassam nossos sentidos de maneira rápida e seletiva, prejudicando operações cerebrais importantes na aprendizagem que necessitam de um tempo mais prolongado para processamento, compreensão e retenção da informação. Ou seja, a capacidade em se concentrar em tarefas mais prolongadas que exigem persistência, se tornam cada vez mais difíceis.
Além dos pontos mencionados, há a dependência destes aparelhos como consequência do uso exagerado. Como sinais de alerta são observados alterações do sono, oscilações de humor, aumento de comportamentos, impulsivos, ansiosos e aversão a demora, comportamentos gerados pela recompensa imediata de estímulos sensoriais presentes principalmente nos jogos e nas redes sociais.
Já entre adolescentes e jovens adultos, outros impactos geram preocupação, como a redução da capacidade crítica, da criatividade, capacidade de resolução de problemas, e a propensão ao desenvolvimento de transtorno de personalidade narcisista, transtornos depressivos e alimentares.
Diante dessas informações, como gerenciar o uso?
Como uma forma de orientar as famílias diante desta situação, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou este ano o Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde, com o objetivo de promover a saúde e o bem-estar de crianças e adolescentes em contato constante com tecnologias digitais, nela encontram-se recomendações referente ao tempo de uso bem como outras informações de manejo dos smartphones entre crianças e adolescentes.
Mas mesmo diminuindo o uso das telas, ainda sim elas não deixaram de ser utilizadas. Diante disso, que tal pensarmos em alternativas para usarmos estes recursos de modo mais saudável entre as crianças e adolescentes, promovendo maior interação e promoção de aprendizagem?
Aqui vão algumas dicas:
– Utilizar os smartphones para ampliar a comunicação com familiares e amigos por meio de vídeo conferências, promovendo não só conversas como momento de jogos interativos a distância;
– Quando adequado a idade, estimular o acesso a blogs, e-book, audiobooks e podcast, visitas guiadas em museus, cursos e demais conteúdos que propiciem maior tempo de atenção, desenvolvam habilidades de leitura e escuta por tempo prolongado;
– Buscar por aplicativos de jogos não violentos e de raciocínio lógico que envolvam a participação de outros integrantes da família.
Quando possível, estipule com a criança combinados em relação ao tempo de uso da tela, estabelecendo horários de intervalo para atividades alternativas, brincadeiras livres, momentos de lazer em família e a retirada antes de dormir. Importante lembrar que: observar as mudanças emocionais dos filhos durante o uso e não uso de tela é essencial, pois como já dito, oscilações de humor podem ser alerta de dependência, como também surgimentos de transtornos mentais, principalmente neste momento de pandemia onde a vulnerabilidade é maior. Se a percepção dos pais for de que a tela vem causando prejuízos emocionais, pode ser hora de buscar ajuda especializada de um profissional da saúde mental para melhores orientações e avaliação do caso.
Espero que tenham gostado do texto, até o próximo!
Olivia Entrebato Kruger
Psicóloga
Referências: Young, K. S. & Abreu, C. N. (2019) Dependência de internet em crianças e adolescentes: fatores de risco, avaliação e tratamento. (p. 01 a 298). Porto Alegre, RS: Artmed