Quando estamos diante de uma criança em desenvolvimento é normal que nós adultos estejamos atentos para o surgimento das primeiras palavras e das frases. Quando estas aparecem possibilitando a criança que seja compreendida, os adultos parecem reduzir a  atenção dispensada ao desenvolvimento da comunicação verbal.

Porém há casos em que a criança mesmo formando frases não dá conta, por exemplo, de contar uma história ou manter um discurso.

Pensando nesse contexto, hoje trago para vocês um texto sobre como se desenvolve o discurso narrativo na criança. Vamos lá?

O discurso do AQUI e do AGORA

Aos dois anos de idade uma criança ainda não é capaz de sozinha construir um discurso que possa ser reconhecido como narrativa propriamente dita. O tipo de discurso de que ela dispõe neste momento é o de comentar o que está ocorrendo no momento da interação; ou, no máximo, falar daquelas ações que ela pretende realizar logo em seguida. O discurso da criança é caracterizado pela presença de  expressões como: já, pronto, outra vez, ainda e agora. 

As perguntas que caracterizam relações temporais que podem ser respondidas pela criança até os 3 anos são: Quando?, Em que dia?, Que horas?; nenhuma outra expressão é compreendida pela criança. Já as expressões que demonstram relações temporais que aparecem no léxico da criança depois dos 2 anos e 8 meses são: depois, ontem, amanhã, de noite, que remetem ao não agora. Sendo que o depois é o mais usado para projeção de futuro, e o antes vai aparecer tempos depois no discurso da criança.

Até os 2 anos e 7 meses mais ou menos o discurso narrativo da criança centra-se nos relatos de experiências pessoais e chegando próximo dos 3 anos começam a surgir as estórias imaginárias, sendo estas construídas a partir dos questionamentos dos adultos.O tipo mais primitivo de pergunta que o adulto dirige às crianças, é aquela que questiona sobre a origem de objetos presentes no momento da interação ou sobre alterações evidenciadas nesses objetos no momentos da interação. Os enunciados da criança são ainda pequenos e podem ser vistos como uma estrutura embrionária do discurso narrativo.

Narrativa primitiva

Depois dos 3 anos de idade surge a necessidade de um discurso narrativo diferente. Surgem então as estórias (narrativas típicas de nossa cultura, que na ordenação temporal/causa dos eventos apresentam invariabilidade de “conteúdo”, ou seja, aquelas que tem  “enredo” fixo, do tipo: Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve…..). Esse tipo de narrativa assume um papel muito importante na construção do discurso narrativo oral, apresentando a criança a macroestrutura do discurso. Seu valor pode ser visto entre 3 e 4 anos de idade e o papel do adulto enquanto interlocutor empírico ainda é fundamental nessa fase.

As marcas linguísticas que que podem ser identificadas na estrutura das “estórias” são;

a) Era uma vez….. (abertura da estória);

b) Daí, então, depois, um belo dia …(introduzir a ação)

c) Acabou a estória, foram felizes para sempre…. (fechamento).

Aparecem também os relatos que são narrativas construídas para recuperar uma sequência de experiências pessoais. Não há compromisso com um enredo fixo, mas com uma “verdade”: a criança começa a narrar experiências efetivamente vividas, a princípio compartilhadas pela mãe. Nessas experiências passadas estão passeios, viagens, eventos ou ações presenciados ou desencadeados pela criança, que de alguma forma possam ser mencionados como não ordinários ou não habituais.

A criança como narrador

Analisando os aperfeiçoamentos das crianças na elaboração de narrativas depois dos 4 anos de idade, nota-se que elas passam cada vez mais a tomar a iniciativa de relatar eventos/ações passados, o que contribui para sua constituição de narrador e na transformação dos papéis dos interlocutores que vai se concretizar perto dos 4 anos e 6 meses de idade. A criança cada vez mais tem um papel ativo e autônomo na construção de narrativas e, consequentemente constituindo o adulto como um interlocutor entre tantos outros, em situações que tendem a ser simétricas.

Próximo dos 5 anos o papel do adulto na interação com a criança nas situações de discurso narrativo já mostra uma sensível mudança em relação ao da fase inicial: de mais ativo para menos ativo na construção conjunta desse discurso.

Por fim, à medida que as crianças se aproximam da idade de 8 anos tornam-se mais interessadas pela verdadeira comunicação com seus pares e o discurso socializado aumenta rapidamente.

Como pudemos ver o adulto desde as primeiras palavras da criança até o discurso propriamente dito tem um papel muito importante como estruturador da linguagem. Portanto pais, cuidadores e terapeutas não percam a oportunidade de realizar a escuta ativa em relação ao que a criança está trazendo, pois das primeiras colocações é que se constrói grandes discursos.

Estejamos atentos!

Até a próxima,

Fabiane Klann Baptistoti

Fonoaudióloga

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