Me peguei pensando sobre a participação dos profissionais que atuam com intervenção precoce no processo de diagnóstico. O fonoaudiólogo, por exemplo, não é um profissional que acompanha crianças regularmente no seu crescimento, assim como faz o pediatra. Mas muitas vezes é o profissional de “entrada” para um longo processo de diagnóstico e aceitação. De modo que tanto o nosso comportamento como o que dizemos tem um peso muito grande na vida dos pacientes e de seus familiares.

O impacto do terapeuta na percepção dos pais sobre a criança

Quando uma família chega para avaliação, normalmente os pais mencionam queixas muito pontuais, como “ele não faz frases”, “ela não sabe fazer o som do L” ou um genérico “ele está demorando muito para falar”. Mas aí você inicia a entrevista, e já na coleta de informações surgem outras queixas que nem mesmo os pais haviam percebido que tinham: dificuldades alimentares, alterações sensoriais, hábitos atípicos, padrões de comportamento repetitivos e outros tantos.

Você então começa a questionar a família sobre esses pontos que estão surgindo e quanto mais você pergunta, mais você percebe os pais se entreolhando, discordando ou justificando os comportamentos mencionados. 

“Ele é genioso como eu”

“Ele sabe tudo, mas só faz quando quer”

“Meu irmão também demorou para falar”

“Ele só faz isso às vezes, quando está muito contente”

Como dizer para esses pais que estão à sua frente que há algo acontecendo?

Aqui começa o nosso processo terapêutico. O nosso fazer que vai muito além da criança. É muito importante iniciar esse vínculo com transparência, clareza e assertividade. Mas também é fundamental ter empatia e consciência de que se eles (os pais) buscaram uma avaliação, eles sabem que há algo acontecendo. Eles apenas ainda não conseguem juntar os pedaços de tudo o que perceberam e ouviram de tantas pessoas e agir diante disso. 

É nosso papel ir apontando que as características apresentadas são mais abrangentes do que uma “simples” alteração de linguagem. E não devemos deixar isso exclusivamente para o momento da devolutiva.

Já escutei algumas famílias dizerem que realizaram avaliações de 4, 5, 6…10 encontros e que NENHUMA pista de que algo não ia bem foi dada até que chegasse o último encontro. Ao fazer isso você aumenta o nível de angústia e estresse de toda uma família.

É claro que só podemos falar e agir sobre aquilo que temos conhecimento e certeza. Mas existem formas sutis de você ir fazendo com que a família reflita sobre os aspectos que você deseja: “mãe, está vendo esse modo como ela te chamou agora?”, “pai, você sempre consegue entender o que ele quer dizer?”, etc. Aponte, mostre, registre. Não há maneira melhor de ajudar os pais nesse processo de construção ou reconstrução da percepção que possuem da sua criança.

O momento da devolutiva

E enfim quando você chegar no momento da devolutiva, propriamente, você terá familiares caminhando junto com você, acompanhando o seu raciocínio e dando passos na aceitação de um possível diagnóstico.

Mesmo que já seja muito claro para você, tenha sempre muita responsabilidade e cuidado com o que você verbaliza. Muitas vezes é necessário sugerir o início imediato de intervenção fonoaudiológica e realizar os encaminhamentos gradativamente, para que você não “perca” a família e a oportunidade de intervenção precoce para o luto e para a dificuldade de aceitação.

Até a próxima,

Tatiane Moraes Garcez

Fonoaudióloga

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